O
Hotel Belo Horizonte ficava na Rua dos Caetés, número cem,
entre as ruas São Paulo e Rio de Janeiro. Foi o primeiro hotel da nova capital,
fundada ainda no século dezenove. Fins do século dezenove, ano de mil
oitocentos e noventa e sete, para ser exato. O mesmo ano da inauguração do
metrô de Londres, e não compreendo porque uma cidade de dois milhões e
seiscentos mil habitantes tem apenas uma linha de metrô sendo que, ao
nascedouro da nova capital de Minas Gerais, a cidade de Londres inaugurava seu
metrô.
O
elevador do hotel era uma peça rara. Tinha uma porta sanfonada, duas aliás, a
de dentro e a de fora. E uma manivela que o fazia subir e descer os três
andares. Parar no terceiro andar, ou no primeiro, era fácil, era o fim da
linha. Mas para quem morava no segundo andar, acertar o nível do pavimento para
não ficar um degrau perigoso ao sair do mesmo era um problema quando os
moradores chegavam cansados ou meio bêbados. Outro detalhe do elevador era o
fato de não ter teclas de envio e chamada automáticos. A gente assobiava para o
porteiro e ele conduzia o elevador até nós. E quando subíamos para o nosso
pavimento tínhamos que amarrar a manivela em uma corrente forçando o elevador a
descer até o térreo. Uma raridade.
Outra
raridade era o zelador diurno. Ele parecia aqueles personagens de filmes de Zé do
Caixão. Um vampiro de tão pálido e magro, com olheiras ao redor dos olhos. Um hóspede
chegando de manhazinha devia se assustar com a figura. Simpático apesar de vampiresco. E
como porteiro de um hotel no centro da cidade, tinha
histórias interessantes para contar. Outro detalhe do hotel era sua feijoada de
sábado. Fantástica. Creio que uma das melhores que já comi em toda minha vida,
se a minha memória continua boa. A família e a namorada moravam em outra cidade
e eu fazia hora para viajar aos sábados somente para não perder a famosa
feijoada. Famosa para os poucos e fieis fregueses.
Em
meus tempos de morador desse hotel haviam quatro hóspedes permanentes
extremamente curiosos. Um deles era um senhor vendedor de pedras preciosas
oriundas da região de Teófilo Otoni. Alto, educado, com um chapéu sempre na
cabeça, dentes de ouro no sorriso, uma mulher bonita acompanhando. Esse senhor era
analfabeto e usava os serviços de um advogado, também morador do hotel, que, de
tão educado, o chamávamos de Dr. Bonzinho. Ele era tão bonzinho que só faltava
pedir licença de passar perto da gente. O Dr. Bonzinho era o segundo morador
extravagante do hotel. Sempre presente, sempre simpático, sempre acompanhando o
comerciante
de pedras preciosas, até que um belo dia desapareceu com todas as pedras
preciosas e com a mulher do xucro senhor das pedras. Muito bonzinho, o cara.
A
terceira pessoa era a Dona Ilka. Provavelmente em torno dos quarenta e poucos
anos, era solteira e morava sozinha no hotel. Funcionária pública. Para nosso
desespero hospedava-se no mesmo corredor dos estudantes e aos sábados às seis horas
da manhã começava a fazer zoeira. Segundo ela era para descontar a zoeira que
fazíamos quando chegávamos à noite. Ela era totalmente implicante conosco, mas
não nos perdia de vista. Uma de suas manias era entrar repentinamente nos
nossos quartos (nem sempre trancados) para puxar assunto. Dizíamos que na
verdade era para nos pegar pelados. Em uma dessas manhãs meu colega de quarto
saiu apressado e deixou a porta aberta. Eu ainda estava debaixo das cobertas,
com aquela preguiça de levantar, mas tendo que levantar, e entra Dona Ilka,
senta em uma cadeira ao lado da cama e começa a conversar. Conversa daqui,
conversa dali, e nada de ir embora para que eu me levantasse. Por fim eu disse:
Dona Ilka, acho melhor a senhora sair para que eu possa me levantar. Ela – Pode
levantar, sem problema. – É que eu estou em estado interessante. – Que estado
interessante, rapaz? – Dona Ilka, eu estou de pênis erectus. E fui levantando
os lençóis e exibindo o dito cujo na posição vertical. Ela ficou entre
assustada e admirada e saiu resmungando para não perder a pose de rabugenta.
O
quarto extravagante morador era nosso colega Zé Luiz “Siqueira”. Como éramos
três estudantes de Física, sempre que podíamos estudávamos juntos. Só que o Zé
Luiz deixava os estudos para a véspera das provas e vivia com o livrão de
Física Geral,
o Halliday,
debaixo do braço, nos acompanhando onde íamos. Um dos lugares de nossa
frequentação era o Gaivota, um bar aberto vinte e quatros horas exatamente ao
lado do hotel. O Gaivota era bem frequentado, tinha música ao vivo, bons
garçons que já nos conheciam porque lá era nosso ponto de encontro à noite
antes de entrarmos em casa, ou mesmo para uma fuga de madrugada depois de
resolver os problemas de Cálculo solicitados pelo professor. É que lá tinha
aquele caldo rico para matar a fome madrugadora. E sempre uma boa conversa. E o Zé Luiz nos
acompanhava com o livro de Física e ficava estudando no Gaivota, em nossa mesa,
enquanto jogávamos xadrez ou conversávamos com as mulheres que o
frequentavam. O Zé Luiz ainda me renderá
assuntos, muitas histórias divertidas aconteciam com ele, em parte por causa de
sua pequena estatura, em parte porque ele era engraçado mesmo e eventos
curiosos o perseguiam. Mais histórias sobre ele virão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário