Já
que fiquei devendo devo narrar algumas das muitas aventuras do Zé Luiz
“Siqueira”, um colega de faculdade morador do mesmo hotel em que repousava
minha juventude, nos tempos de estudante universitário. Como escrevi antes, o
Zé Luiz começou a fazer aulas de karatê numa escola em frente ao hotel em que
habitávamos, o Hotel Belo Horizonte, um dos primeiros de BH, inexistente hoje
(em seu lugar tem um estacionamento de um banco). Umas três vezes por semana
ele tinha aulas e o karatê passou a integrar seu modo de vida. Ficou tão
entusiasmado que não só imitava a fala do japonês seu instrutor como
apropriou-se de algumas delas em seu vocabulário. De repente, Zé Luiz, um metro
de quarenta e cinco de altura, negro, conversava com sotaque japonês, sem mais
nem menos, em mesa de bar ou em sala de aula de Física Geral ou Cálculo
Diferencial e Integral. Para risos de muitos e nervosismo do dito cujo.
Em uma bela noite enluarada, fomos a uma sessão de cinema
na Rua Curitiba, em uma sala onde se passava filmes artísticos, hoje
inexistente, claro. Caminhávamos para casa, e o “Siqueira” ficou intrigado com uma
sombra que nos perseguia e crescia atrás de nós. De repente a sombra dá um
salto, como se fosse nos atacar, e o Zé Luiz vira-se para trás rapidamente, faz
uma pose de lutador de karatê e dá um berro daqueles. Eu e o dono da sombra
quase morremos de susto. Esse apenas descia a rua tranquilamente atrás de nós,
aproximava-se porque caminhava mais rápido e repentinamente dá um pequeno salto
simplesmente para tapear uma placa de uma loja. Brincadeira de quem está
tranquilo caminhando na rua a caminho de casa. O carinha, um moleque novinho,
cai no chão de susto e pede pelamordedeus, não faça nada comigo, eu não fiz
nada. E eu caí na gargalhada. Ele também, claro, não se conteve.
Uma
outra aventura de Zé Luiz foi mais bizarra e engraçada ainda. Nosso amigo
gostava de frequentar casas de prostitutas. Para tirar a água do joelho, era a
frase jargão da época para uma transa com prostituta. E lá se foi o Zé Luiz,
junto com um amigo conterrâneo, morador da mesma cidade no interior de Minas,
para casa da Zezé, um bordel que ficava na Avenida Francisco Sales com Avenida
Assis Chateaubriand, na Floresta, um endereço para lá de nobre para um
prostíbulo. E era bem frequentado o local. Eu mesmo já havia visitado o local
quando ainda morador em Nova Lima, estudante de Ensino Médio, menor de idade,
levado por um de meus professores, pasmem.
Voltando
ao Zé Luiz, ele afirmava que seu amigo era ainda jovem e nunca havia transado
na vida, ele estava lá para tirar o “cabaço”, gíria da época para virgindade. O
Zé Luiz deu a maior força ao amigo, incentivo, motivação e tudo. Vai lá camarada
e mostra que é macho, pois em nossa cidade não tem desse vacilo, não, ou você
mete hoje ou eu conto para todos em nossa cidade. Baita incentivo, esse. Aliás
a expressão da época não era trepar, era meter. O gajo entrou no quarto e o Zé
Luiz saiu da casa e foi espiar a performance do amigo pela janela, que não era
baixa e foi preciso trepar (no sentido lato, subir) pela grade da janela e
ficar pendurado lá. Eis que passa na avenida um carro da Polícia Militar que
vendo a cena, joga o farol alto e: desça logo daí senão atiro. O Zé Luiz
obedece e gagueja para o policial: eu estava só espiando meu amigo que está
metendo pela primeira vez. O policial pega o Zé pelo colarinho, entra na casa
da Zezé, respeitosamente (até a polícia respeitava a Zezé), abre a porta do
quarto onde estava o amigo do Zé e vai perguntando em alta voz: ei, é você
que está metendo pela primeira vez? Eu não, seu guarda, já sou experiente
nisso, não é a primeira vez não, mentiu o gajo. Com essa negativa a polícia
conduziu o Zé Luiz “Siqueira” para a delegacia prestar esclarecimentos. E lá
fomos nós, seus amigos de hotel, dar uma força ao colega e depor que ele era
gente boa e, de fato, apenas espiava o colega. Conversa vai, conversa vem, o
delegado de plantão nos liberou a todos, acusado e testemunhas.
Agora
o dilema do Zé era outro. Segundo ele, seu pai assinava O Estado de Minas e o lia
da primeira à última página e se saísse algo no jornal ele estava fodido, seu pai
tiraria sua mesada e ele teria que voltar para a terra natal. E lá fomos nós
para a porta do jornal, na Rua Goiás, bem no centro da cidade, esperar a saída
do jornal mais lido do estado, o que aconteceu por volta das cinco horas da
manhã. Leitura do jornal e nem uma linha sobre o feito do amigo. Fomos dormir
tranquilos.
Tranquilos?
Eis que as onze horas mais ou menos o Zé Luiz nos acorda com um número do
Diário da Tarde, que dedicava um pedaço de coluna ao fato: um gajo de nome José
Luiz “Siqueira” (seu sobrenome era outro, claro, mas não cometerei aqui a
indelicadeza de contar a todos, mesmo sendo essa uma
autobiografia desautorizada pelo autobiografado) foi pego em flagrante na
janela de um famoso bordel da cidade durante a madrugada. Segundo o mesmo ele
foi espiar um colega que estava a cometer atos libidinosos no interior do
recinto. Apesar do flagrante o gajo foi liberado. Onde já se viu uma coisa
dessas?
Era
uma coluna de fatos anedóticos e bizarros. Ele estava aliviado porque o Diário
da Tarde não chegava em sua cidade. Mas cópias da notícia foram devidamente
colocadas em um quadro na entrada do Hotel Belo Horizonte, no mural da escola
de karatê e no Diretório Acadêmico do ICEX, na UFMG. Para desespero do Zé
porque a chacota foi grande.
Muitas
outras histórias do amigo Zé Luiz foram comentadas durante sua permanência em
Belo Horizonte. De estudante de Física ele passou para Engenharia Elétrica e foi
sumindo de vista aos poucos. Depois de formado nunca mais o vi. Recentemente o
encontrei nas redes sociais, mora do outro lado do país, mas ainda não fiz
contato com a figura. Eu o farei, sem dúvida. E deixo aqui um registro de como
era nossas vidas de estudante, seu lado alegre, pois o lado político era
dureza, os tempos eram de ditadura, pesados. Voltaremos ao tema.
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