Durante
muitos anos morei em frente à mata do Jambreiro, em Nova Lima, Minas Gerais.
Que deveria ser mata do jambeiro, pelos inúmeros pés de jambo, ou do Ingazeiro,
pelos ingás. Duas frutas insonsas, de duvidoso sabor e que, no entanto,
promoviam verdadeiras peregrinações entre nós, moleques das
imediações, para degustá-los. Era também um bom motivo para fugir de casa e
embrenharmos pela floresta, apesar das recomendações de pais e mães de não irmos
sozinhos. Mas onças, macacos, e cobras venenosas (de fato esses bichos
trançavam por lá) não nos metiam medo. Onça só vi uma vez, de longe. Éramos
muitos meninos e penso que ela teve mais medo que nós.
A
mata do Jambreiro era densa, cheia de córregos. Ao lado dos córregos, caminhos,
veredas, no sentido roseano da palavra, nem era preciso fazer picadas.
Mais de uma vez nos perdemos, sempre encontrávamos o caminho de volta. Quando
em vez um grupo de caminhantes de Belo Horizonte se perdia entre jambeiros e
ingazeiros. Não voltavam no mesmo dia, dia seguinte uma brigada dos bombeiros
estava lá para os procurar. Quando não encontravam os perdidos vinham atrás de
nós, os meninos, que já tínhamos fama de bons mateiros. Salvamos gente, certa
vez até aparecemos nos noticiários da televisão.
Atravessar
a mata e subir a serra era brincadeira de um dia inteiro. Do alto da Serra do
Curral a vista do Belo Horizonte, que se vislumbrava à nossa frente, era um prêmio
para três horas de caminhada morro acima. Uma maravilha. A volta, mais descida
que subida, era feita em menos tempo, malgrado o cansaço.
Pássaros,
veados, pacas, micos, tatus, jaguatiricas, cobras, aranhas, eram os animais
mais vistos no trajeto. Aliás, não eram sempre vistos. Eles sabiam se esconder,
deixavam rastros. E alguns de nós sabiam ler os rastros. Era puro ensinamento e
aprendizamento. Uns ensinavam os outros, com método didático mais antigo do
mundo: perguntando. – Sabe de que bicho é isso? Sei não. Pisada de jaguatirica.
E pelo jeito passou por aqui ontem. Veja as marcas, olha o mato pisado e
amassado. E esse assobiozinho repetido,
sabe o que é? Esse tisc, tisc? É, esse mesmo. Sei também não. Assobio de
jararaca. Ela avisa para sairmos do caminho dela. No mato tem que ter duas boas
orelhas, além de bons olhos. E bons pensamentos. Maus pensamentos não combinam
com esse silêncio quebrado pelo farfalhar de folhas e assobios de pássaros e
parlamentamento de animais.
Cresci,
atravessei a serra e fui para o belo horizonte estudar e trabalhar. Perdi muito
daquela sabedoria, que necessita de ser estimulada sempre. E hoje não dá para
entrar na mata. As mineradoras a minimizaram e cercaram. De vez em quando
arrisco uma visita camuflada. Alguns caminhos ainda estão lá, escondidos. A
mata chama nossa alma. E quase nos enfeitiça, como a Iara dos rios.
Certa vez, em Manaus, quase não voltei.
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